A Ilusão do "Salvador da Pátria" na saúde de Camaçari. Entre o palanque e a realidade
Na semana passada, Camaçari sextou com a publicação de um artigo no Portal Camaçari Agora, na secção Colunistas, que foi reproduzido por outros sites do município e em grupos de WhatsApp, voltados para a política de Camaçari, que, na sua introdução, parecia uma análise séria sobre saúde pública do município, entretanto, bastou a leitura de alguns parágrafos para perceber que se tratava de algo bem diferente.
Era um exercício de autoelogio embalado como reflexão, com direito a roteiro pronto de herói contra vilões, induzindo o leitor a acreditar que o autor, com sua experiência, poderia transformar Camaçari na “melhor saúde da Bahia” — tudo isso sem o incômodo de apresentar um único dado concreto.
Como ex-gestor no período que o articulista batizou de “fundo do poço” (2017–2024), considerei não apenas pertinente, mas irresistível — e, confesso, até divertido — responder. Afinal, se ele tem o direito de escrever sua narrativa, também posso desmontá-la com fatos, ironia e uma boa dose de realidade.
O texto “Os tempos sombrios na saúde estão ficando para trás!” começa com uma exclamação otimista, mas, ao examinar sua construção, o que se lê são elementos de autopromoção e propaganda política, mais do que de análise técnica da saúde pública.
Em vez de falar de saúde pública, fala, sobretudo, do próprio autor — um desfile de credenciais, cargos e tapinhas nas costas recebidos. Se fosse currículo, estaria impecável; como análise séria de saúde, fica devendo. Como diria o personagem Coringa: “Esperava mais de você Batman”.
Entre um “talvez” modesto e um “posso afirmar com propriedade” confiante, o texto nos leva por uma viagem no tempo: em que pacientes com câncer eram enviados para casa para aguardar a morte, até ao presente, onde a tecnologia salva vidas, mas custa caro. Até aí, nada contra.
Mas o salto narrativo seguinte é digno de muito espanto: sem apresentar um único dado concreto dos indicadores do Ministério da Saúde, do tempo de espera para realização de consultas, exames e procedimentos, do número de cirurgias eletivas realizadas e do quantitativo de medicamentos e benefícios entregues a população, assim como, dos dados da vigilância à saúde, torna frágil o argumento que entre 2017 e 2024 a saúde de Camaçari bateu no “fundo do poço”.
Saúde Pública não se faz com opiniões pessoais e sim através de análise dos dados em saúde e pesquisa de satisfação dos usuários, que inclusive nos dias atuais pode ser realizada através das redes sociais, e que mostram que o governo atual, não possui pontuação positiva, haja vista a quantidade de postagens negativas sobre retorno das filas nas madrugadas para marcação de consultas e exames, assim como a ausência de realização de cirurgias eletivas, a não concessão de benefícios previstos pelo SUS – Sistema Único de Saúde (cadeira de rodas, cesta básica, transporte sanitário, etc.).
A até mesmo da falta de medicamentos de responsabilidade do município, claro que não poderia deixar de falar dos pedidos de socorro de parentes e amigos de pessoas que estão na “Fila da Morte”, isto é, na regulação das urgências, que terminam falecendo nas UPAS e PAs de Camaçari, aguardando uma vaga nos hospitais.
É curioso: para um texto escrito por quem se apresenta como autoridade e especialista em saúde pública, faltar números, indicadores, pesquisas. No lugar deles, aparece um vilão — a gestão anterior — e um herói — o governo atual, capaz de “virar a chave” e transformar Camaçari na “melhor saúde da Bahia”.
É o típico roteiro de filme canastrão, onde os problemas se resolvem com a chegada do mocinho (e neste caso em tela, convenhamos, nem tão mocinho). Pena que o SUS não seja um filme de ação, e sim um drama coletivo que exige dos gestores um trabalho sério, com planejamento e continuidade do existente, para ser enfrentado.
Ao evitar causas estruturais, como, o subfinanciamento crônico do SUS, a formação dos profissionais, a ausência de articulação entre a atenção básica e a especializada, a dificuldade da regulação das urgências e emergências, principalmente na Bahia, e o clientelismo político existente em Camaçari, o texto cria a ilusão de que tudo se resume a quem se senta na cadeira de secretário ou prefeito. É a velha fantasia do “salvador da pátria”.
Ao centrar a narrativa em governos e nomes, perde-se a oportunidade de discutir o que realmente sustentaria avanços duradouros na saúde de Camaçari.
Concluindo, o texto não é sobre a saúde de Camaçari, mas, sobre a vaidade e veladas pretensões de quem o escreveu. Pode ser um bom material para palanque eleitoral, mas como contribuição para o debate público sobre a saúde de Camaçari, é imprestável.
Luiz Duplat duplat.luiz@hotmail.com é médico obstetra, especialista em saúde da família e ex-secretário de saúde de Camaçari
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12/agosto/2025