Um Papa de duas Pátrias
No último dia 08 de maio tivemos a eleição do novo Papa que escolheu para si o nome de Leão XIV. Para nós católicos é um momento de graça, pois a Sé estava Vacante e isso cria em nós, e diria também no mundo, uma sensação de orfandade. Cumpre afirmar, a bem da verdade, que se a Sé fica vacante com a morte ou renúncia de um Papa, por outro lado a Igreja nunca fica acéfala, afinal Cristo é o Supremo Pastor e vive para sempre.
Em um primeiro momento chamou atenção a nacionalidade do Papa Leão. Um norte-americano. Contudo, logo foi informado que tinha dupla cidadania, cidadania peruana e mais ainda que é um cidadão do mundo. Portanto, alguém com perfil adequado para o nosso tempo. Como Prior Geral da Ordem Agostiniana, uma rica tradição na Igreja, teve que dialogar e visitar o mundo inteiro. Essa rica experiência o qualifica para exercer o ministério petrino em tempos tão desafiadores. Além de ser poliglota, de ter tido essa experiência de governo, acrescento ainda duas experiências que somam. A experiência pastoral que teve, como bispo, no Peru e sua passagem pelo Dicastério dos Bispos na Cúria Romana. Sendo assim, para nós que temos fé, entendemos que Deus o foi capacitando para uma missão mais alta e sublime.
Não lhe falta uma visão universal da Igreja, nem uma formação teológica sólida, nem sequer uma visão das estruturas internas da Igreja e ainda uma rica experiência pastoral que revelou seus hábitos simples e sua sensibilidade para com os pobres. Em tudo isso vemos a mão de Deus e o Espírito de Deus agindo na Igreja. Muito diferente do filme conclave que, tristemente, tenta reduzir o processo da escolha de um novo Papa como sendo uma rede de intrigas e disputas.
Vale ressaltar a escolha do nome. Na Bíblia o nome, geralmente, indica uma missão. O Papa, ao escolher para si o nome de Leão, certamente tinha na mente tantos Papas que escolheram esse nome, desde Leão Magno até o último Leão XIII que viveu em tempos da revolução industrial. Em sua famosa Encíclica Rerum Novarum (das Coisas Novas), ele defende os direitos dos trabalhadores que naquele tempo, como ainda hoje, são explorados e condena o comunismo. O cuidado com os pobres e a justiça social, que fazem parte da Doutrina Social da Igreja, é um grande tema para este pontificado. Este é um indicativo.
Na Igreja se conjugam dois princípios básicos, continuidade na descontinuidade. Muito se especula sobre o legado do Papa Francisco e se Leão o levaria adiante. Cumpre lembrar que ele não é Francisco II, do contrário teria escolhido esse nome para si. Porém, não se pode fechar os olhos às grandes temáticas que afligem os homens e mulheres do nosso tempo e que o saudoso Papa Francisco nos propôs.
Em sua saudação no balcão da Basílica de São Pedro, Leão XIV seguiu falando de paz, de construir pontes e não muros e de sermos uma Igreja acolhedora. Assim vive a Igreja dois mil anos. Precisamos olhá-la com a lupa da fé e não com as categorias do mundo. O conclave não é uma reunião de um congresso de uma nação, os rótulos conservadores e progressistas não se aplicam à Igreja, e a Igreja tem como parâmetro, embora esteja atenta aos sinais dos tempos, o Evangelho e a sua grande Tradição construída ao longo de milênios e a duras penas.
Oremos pelo Santo Padre, sucessor de São Pedro, a fim de que seja sinal de comunhão para a Igreja e uma voz lúcida e profética para o nosso mundo marcado por tantos conflitos e extremismos. Que não falte a ele o apoio e as orações para que a Igreja, sob seu pastoreio, seja o que ele mencionou em sua primeira homilia na Missa com os cardeais: “ela (Igreja) seja cada vez mais a cidade colocada sobre o monte (cf. Ap 21, 10), arca de salvação que navega sobre as ondas da história, farol que ilumina as noites do mundo.” A julgar pelos holofotes da impressa e pela atenção dispensada ao falecimento do Papa Francisco e a escolha do novo Papa, creio que ela continua a ser uma referência importante para nossa sociedade cada vez mais “líquida” como dizia Zigmunt Balman. Pedro fala pela boca de Leão!
Dom Dirceu de Oliveira Medeiros é bispo da Diocese de Camaçari desde 2021. Formado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, preside a Regional Nordeste 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi subsecretário adjunto geral da CNBB, em Brasília. Lecionou Teologia e tem especialização em aprofundamento bíblico e arqueologia bíblica pelo Convento do Ecce Homo (Jerusalém). Mineiro da cidade de Barroso, foi Vigário Geral da Diocese de São João del-Rei
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13/maio/2025