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Elisângela Sena


Rosas negras no jardim das cerejeiras



Brasil: um país adoecido pelo racismo.


Há muito tempo quero escrever sobre esse Brasil, tão lindo, cheio de belezas naturais, de uma cultura diversa e de um povo receptivo, trabalhador, criativo, festivo; um país que, a cada ano, atrai milhares de turistas. O Brasil da igualdade, da diversidade, das oportunidades... Espera! Eu disse “Brasil da igualdade”? Devo ter me enganado, porque esse Brasil é um “conto de fadas”.


O Brasil do carnaval é o Brasil da fome, do desemprego, da violência, do preconceito nas mais diversas esferas. O Brasil onde vivemos tantas alegrias é o mesmo que traz em sua história a herança desumana do RACISMO, esse que está vivo e pulsante na sociedade, na forma de olhares e atitudes que machucam, ferem e até matam. Precisamos falar sobre o racismo, não podemos ser omissos ou mentir para nós mesmos, precisamos assumir que vivemos em um país adoecido e parar de dormir acreditando que está tudo bem ou acordar achando que nada aconteceu.


São muitos os tiros, e quem morreu? Quem morreu? Não fui eu, foi o jovem preto da favela, vi na Tv. Quem foi mesmo? São muitos os tiros, são muitos os tiros. “Assassinaram o meu filho”, diz a mãe desesperada, com o filho ensanguentado nos braços. A Justiça não sabe de onde veio a bala. Que Justiça? Mas, foram muitos os tiros. Assistimos todos os dias às repetidas histórias de desigualdade, sofrimento, racismo e impunidade a que o povo negro é submetido, e vemos inertes a violência tomar conta da cidade.


Dados do Atlas da Violência de 2018 relatam que cerca de 30 mil jovens entre 15 e 29 anos são assassinados por ano no Brasil, dentre eles, 77% são negros. “Nos últimos 10 anos, a taxa de homicídios de mulheres não negras diminuiu 8% e, no mesmo período, a taxa de homicídio de mulheres negras aumentou 15%”, destacou David Marques (apud NITAHARA, 2018), pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).


O fato de nascer negro coloca as pessoas, estatisticamente, em um grupo de risco, mesmo com uma população formada em mais de 54% por pessoas negras (mulheres, homens, crianças, jovens, idosos), você sabia? É muita falta de humanidade disfarçada de solidariedade, um sorriso amigo sem oportunidades, uma foto da “igualdade” para as redes sociais e tudo fica bem, com essa dita humanidade desumanamente sombria da sociedade. Esse é o Brasil amado, idolatrado, salve, salve, onde nós precisamos lutar todos os dias pelo direito de viver. Mas ainda há quem diga que não existe desigualdade racial no Brasil.


Uma pesquisa do Datafolha realizada em 1995 mostrou que 90% dos brasileiros admitiam que existe preconceito de cor no Brasil, mas 96% dos entrevistados se identificavam como “não racistas”. Ou seja, evita-se que a discriminação seja colocada de maneira explícita como marca própria de nossa identidade. Isso torna o nosso racismo velado: ele existe, mas não é exposto (LOUREIRO, 2015).


Em reportagem ao jornal O Globo, Daiane Costa e David Barbosa (2019) afirmam, segundo dados do IBGE, que um quinto das famílias brasileiras já usa lenha ou carvão para cozinhar. Estamos em meio a um crescimento acelerado do empobrecimento da população, e esse dado é mais alarmante entre as populações mais pobres, formadas majoritariamente por pessoas negras. Quem é pobre está ficando mais pobre. Quem é rico, mais rico, e essa desigualdade obriga a população mais carente a buscar alternativas de sobrevivência.


Além de resultar nessa realidade econômica histórica desigual, o racismo tira do negro o direito a ter Direitos, bens e serviços, tal como é cruel à construção de sua subjetividade. Casos de baixa autoestima, problemas de ordem psicológica e até depressão refletem uma estrutura sociocultural institucionalizada, a partir da qual as pessoas negras são colocadas cotidianamente em situações de inferiorização e humilhação.  A proporção de suicídios entre a população negra aumentou, e a cada 10 suicídios envolvendo adolescentes e jovens entre 10 e 29 anos, 6 são jovens negros.


“Mas no Brasil não existe racismo”; “todos temos as mesmas oportunidades”; “os negros reclamam demais”; “se a polícia matou o neguinho, é porque era criminoso”; “tudo agora é racismo” ... Escutamos muitas frases como estas todos os dias, e a verdade é que elas são tão nocivas quanto as balas que nos matam, porque elas expressam pensamentos racistas, ocultados no estado de negação. Admitir que quando o Estado cria políticas públicas específicas que garantem acessos à  população negra, em uma reparação histórica, é admitir que esse é o primeiro passo para que tenhamos oportunidades iguais de viver em sociedade. “A população preta vem ampliando o acesso à educação e saúde”, disse o pesquisador especialista do IBGE André Simões à repórter Gabriela Loureiro (2018), “mas há uma herança histórica muito grande, e isso indica que as políticas públicas devem continuar a focar, principalmente, nesse grupo”.


O Racismo, silencioso e sorrateiro, se implanta como instrumento de manutenção das hierarquias, e se manifesta no preconceito de cor e na valorização do embranquecimento. Aqueles que têm privilégios não querem abrir mão deles, mas a branquitude, que tanto alega querer direitos iguais para todos, também fortalece e incentiva a desigualdade racial quando se opõe às políticas públicas de reparação.


É preciso falar amplamente sobre o racismo no Brasil, afinal, falar é uma ferramenta para combater essa epidemia que assola o nosso país há tantos séculos. Falar de racismo é falar de vida, é falar de (sobre)viver. Somos muitas vozes e o silêncio ainda é tão grande.


Elisângela Sena elisangelasenas@hotmail.com é produtora cultural e ativista na área de culturas populares tradicionais. Também é gestora do projeto “Terreiradas: Um samba na porta de minha cumade”, em Camaçari-Ba


Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor


 
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