A hidrovia do "Velho Chico” ?
Alvíssaras! O governo federal criou, no Ministério dos Portos e Aeroportos, uma Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação, que acaba de anunciar o propósito de dar início a um amplo programa de aproveitamento dos rios e lagoas navegáveis do país. Transformar em hidrovias as nossas vias navegáveis é a que se propõe a nova política do governo federal. Chamada de “última fronteira de investimento em infraestrutura do Brasil”, esta é uma iniciativa muito bem-vinda.
A meta é, já em 2025, fazer a concessão das hidrovias dos rios Madeira, Paraguai e da lagoa Mirim. Em 2026, Barra Norte (no Amapá), Tapajós e Tocantins. Mas a hidrovia do rio São Francisco, no pobre e sofrido semiárido nordestino, não está incluída no programa.
O “Velho Chico”, das boiadas, das gaiolas, das carrancas, dos remeiros, do intenso fluxo migratório Nordeste-Sudeste – registrado por Jorge Amado, em Seara Vermelha –, dos “baianos cansados” que se tornaram mineiros, sempre foi, historicamente, uma via navegável e de uso intenso, tanto para cargas quanto para passageiros. No passado, as próprias embarcações serviam, inclusive, como armazéns, para abastecer a rede de cidades às suas margens. Contudo, assim como as ferrovias, as hidrovias foram atropeladas pelo rodoviarismo. Hoje, vê-se que o transporte hidroviário pode ser mais vantajoso economicamente que o rodoviário.
As hidrovias do Madeira e do Tocantins já contam com recursos previstos em lei, oriundos da privatização da Eletrobrás. As hidrovias da Lagoa Mirim e da Barra Norte (na foz do rio Amazonas) são concessões que podem se viabilizar apenas com recursos privados. As demais serão objeto de concessões patrocinadas. E os concessionários poderão recorrer a financiamentos do Fundo da Marinha Mercante, administrado pelo BNDES. Assim, o Brasil vai diversificando a sua matriz de transportes e libertando-se da dependência do modal rodoviário.
No caso do rio São Francisco, trata-se de uma hidrovia de baixo custo de implantação. Nem de longe se aproxima do custo estimado de R$ 1 bilhão apenas para derrocamento do Pedral do Lourenço, que atravanca o rio Tocantins, com seus 43 quilômetros de extensão. Com valor bem menor que este, põe-se em operação a hidrovia do rio São Francisco, desde Juazeiro (BA) até Pirapora (MG), com 1.371 km. Agreguem-se, ainda, os trechos navegáveis do rio Grande, de Barreiras a Barra, com 366 km, e do rio Corrente, de Santa Maria da Vitória até o São Francisco, com 108km, totalizando 1.845 km de via navegável!
O maior investimento na hidrovia do rio São Francisco já está pronto desde 1979: é a eclusa de Sobradinho, vencendo um desnível de 32,5m. Permite a eclusagem de embarcações de 110 m x 16 m e calado de 3,5 m (câmara de 120 m x 17 m), com um volume limite de capacidade de 14 milhões de toneladas/ano.
A embarcação fluviográfica Velho Theo, um barco de pesquisas do governo da Bahia, encontra-se docada, esperando o momento de retornar às atividades de produção de cartas náuticas digitais, integradas ao GPS, para permitir navegação noturna. Em Juazeiro, um moderno porto fluvial, também de propriedade estadual, aguarda a chegada dos comboios de barcaças. A navegação comercial resistiu até junho de 2014.
A reivindicação não é saudosista. Ao contrário, objetiva atender a uma pujante economia que se desenvolve ao longo de todo o médio e submédio São Francisco.
Algodão, soja e milho são produtos do Oeste baiano que, a partir de Ibotirama, chegariam com baixo custo logístico até o bipolo Juazeiro (BA) / Petrolina (PE), no coração do Semiárido, para abastecer a avicultura de frango e ovos do Nordeste, reativar a indústria de óleos vegetais e deflagrar um novo ciclo de desenvolvimento na mais extensa região pobre do país. Entre Ibotirama e Xique-Xique, em uma margem, a agroindústria da cana e a pecuária, na outra, o Baixio de Irecê – com 49.100ha de área irrigável – constituem importantes geradores de carga, em ambos os sentidos de navegação pelo rio.
Trata-se de consolidar o aglomerado urbano de Juazeiro/Petrolina como o mais estratégico polo comercial, industrial e logístico do Sertão nordestino, em pleno centro geográfico da região.
Ao longo do médio e submédio São Francisco, apenas pequenos pedrais, envolvendo afloramentos espaçados e isolados, precisam ser derrocados. Quanto ao assoreamento, é uma restrição que pode ir sendo removida simultaneamente ao crescimento da navegação.
Neste sentido, em 2008 teve início um importante trabalho de estabilização de margens, envolvendo rampamento de taludes, revegetação, defletores de correnteza e estruturas de drenagem – combinando a recuperação da navegação com a preservação ambiental. Realizado pelo 7º. Batalhão de Engenharia de Combate (7º. BECmb), com base em convênio firmado com a CODEVASF, esta ação decorreu do Plano Piloto de Revitalização do Rio São Francisco, elaborado pela Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas (FUNDESPA), para o governo da Bahia, com apoio da Agência Nacional de Águas – ANA, infelizmente descontinuado por falta de verbas.
Em 2015, chegou-se a cogitar a criação do 1º. Batalhão de Engenharia Hidroviária, a ser sediado no município de Barra, para incorporar a comprovada capacidade técnica da engenharia militar à missão de recuperação e manutenção hidroviária.
Agora, o estabelecimento de uma política pública nacional de concessões hidroviárias não pode deixar de lado a hidrovia do rio São Francisco, a grande bacia hidrográfica que interliga o Nordeste e o Sudeste brasileiros.
O São Francisco quer voltar a ser o “rio da unidade nacional”!
Waldeck Ornélas waldeck.vo@gmail.com é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de “Cidades e Municípios: gestão e planejamento”. Foi senador, ministro da Previdência e secretário de planejamento do estado
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor
06/09/2024