O Brasil tem uma das maiores despesas com remuneração de servidores no mundo. Entre 74 países, o Brasil é o 7º, com gastos que equivale a 12,9% do PIB, segundo dados de 2019, e que consideram despesas com pessoal ativo de União, Estados e municípios. Penduricalhos para contornar o teto salarial de R$ 39,2 mil mensais, salários maiores do que na iniciativa privada e brechas para o acúmulo de remunerações são fatores apontados por especialistas para explicar a permanência do Brasil no topo do ranking. Um histórico de aumentos acima da inflação nos salários também contribui para o quadro.
O mais recente “privilégio” incorporado ao conjunto de regras para servidores foi uma portaria do Ministério da Economia que permite a militares da reserva e servidores civis aposentados que continuam trabalhando em determinados cargos receberem as duas remunerações, mesmo que ultrapassem o teto de R$ 39,2 mil. A medida agraciou o presidente Jair Bolsonaro com um “aumento” de R$ 2,3 mil por mês e o vice-presidente Hamilton Mourão, com R$ 24 mil mensais. Ministros também serão beneficiados.
A medida despertou críticas, sobretudo no momento em que o time do ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta fazer avançar no Congresso Nacional sua proposta de reforma administrativa, que mexe nas regras do “RH” do serviço público para flexibilizar a estabilidade, extinguir penduricalhos que turbinam salários e deixar o terreno pronto para uma revisão futura de carreiras e salários. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para avançar à próxima etapa, que é a análise de mérito na comissão especial.
O raio X traçado pelos dados do Tesouro Nacional permite observar que a proporção de gastos com o funcionalismo no Brasil supera a observada em outras nações emergentes, como Rússia, Chile, Peru e Colômbia, e também em países avançados, como Estados Unidos, Alemanha e Espanha. O dado considera as despesas não só com salários, mas também com a contribuição patronal para a Previdência desses servidores.
O economista José Luiz Rossi, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), ressalta que o gasto com servidores no Brasil é heterogêneo, tanto do ponto de vista de esfera administrativa quanto do ponto de vista dos poderes. No primeiro caso, a União tende a pagar maiores salários do que Estados e municípios. Ele lembra um estudo do Banco Mundial que aponta um elevado prêmio salarial dos funcionários federais, de 96% em relação ao que ganha um trabalhador com as mesmas qualificações no setor privado. Esse prêmio era de 36% nos Estados e praticamente zero nos municípios.
Sob o ponto de vista dos poderes, Judiciário e Ministério Público costumam destoar mais dos outros poderes em termos de manobras para driblar o teto remuneratório. No fim de 2019, o vale-refeição de juízes superava o salário mínimo em 24 dos 27 Estados brasileiros.
No Brasil, segundo dados da Pnad Contínua, 11,9 milhões se declaravam empregados do setor público no trimestre até fevereiro de 2021.
O governo enviou em setembro do ano passado a reforma que pretende corrigir uma parte das distorções, após mais de um ano de proposta engavetada devido às fortes resistências políticas. Para o professor do IDP, a PEC ainda é tímida porque não incluiu membros de outros poderes, como juízes e procuradores, e o governo não explicitou seus planos para rever a estrutura de níveis de carreira e salários. Estadão