Para cada trabalhador com carteira assinada que ficou desempregado, dois informais ficaram sem trabalhar entre o trimestre dezembro/fevereiro e o período março/maio. Os cálculos sobre os impactos da pandemia da covid-19 no mercado são do professor sênior da Universidade de São Paulo (USP) Hélio Zylberstajn, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No período, 3,98 milhões de informais perderam sua principal fonte de renda. No caso dos formais, 1,99 milhão ficaram desocupados. Sem acesso à rede de proteção social do trabalho com carteira assinada, o informal está mais exposto aos efeitos das crises. Essa categoria geralmente está em funções que dependem da renda dos demais trabalhadores e ficam sem opção quando há uma queda da atividade econômica.
Na crise atual, que tem limitado a circulação de milhões de pessoas pelas cidades brasileiras, o vendedor de café parou de trabalhar na porta do metrô e o camelô perdeu a freguesia. “O grupo informal foi o que mais sofreu logo no início da quarentena. Para eles, a ocupação se dissipou imediatamente, na medida em que a demanda por seus serviços desapareceu”, diz Zylberstajn.
Segundo o economista, também serão os informais que devem puxar a recuperação do mercado de trabalho no ano que vem, já que tradicionalmente as empresas demoram a recontratar, e as pessoas voltam para o mercado como podem. Em 2017, logo após a última recessão, o número de brasileiros trabalhando por conta própria e sem carteira assinada superou pela primeira vez o daqueles que tinham um emprego formal. O ano terminou com 34,3 milhões de informais e por conta própria, ante 33,3 formais, segundo o IBGE.
Na avaliação de Zylberstajn, o melhor desempenho do emprego formal durante a pandemia indica que as medidas de redução de jornada de trabalho e de salário e a suspensão dos contratos, embora duras, ajudaram a manter empregos. “O prejuízo foi contido, sem a Medida Provisória 936 teria sido pior.”
Ainda, assim, um levantamento feito por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) aponta que, em função de redução de salário por conta da pandemia, 3,8% das famílias acabaram atrasando o pagamento de contas, enquanto 9,1% ficaram inadimplentes por terem perdido o emprego. De acordo com Viviane Seda, do Ibre, as dificuldades das famílias podem ter efeito redutor na recuperação da economia em 2021.
O diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Clemente Ganz Lúcio pondera que a crise vai deixar um contingente de endividados e corroer a renda sobretudo entre os informais, mesmo com medidas como o auxílio emergencial de R$ 600 para a baixa renda. “E enquanto outros países já trabalham para pensar a saída da crise, o governo do Brasil fala em reformas.” Estadão